De baixo para cima: uma perspectiva inédita da desigualdade em são paulo

 De baixo para cima: uma perspectiva inédita da desigualdade em são paulo

G1

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Uma imagem aérea de 2004, capturada por Tuca Vieira e publicada na “Folha de S.Paulo”, retrata um contraste gritante: um edifício de luxo com piscinas privativas por andar, lado a lado com a favela de Paraisópolis, na Zona Sul de São Paulo. A foto rapidamente se tornou um símbolo da desigualdade social no Brasil, ganhando destaque internacional e ilustrando livros escolares sobre o Índice de Gini.

Enquanto a imagem impactou o mundo, dentro de Paraisópolis, a percepção é diferente. Geovan Oliveira, diretor da União de Moradores, compara a situação a um sapo cozinhando lentamente em água aquecida: a realidade da desigualdade, vivenciada diariamente, não causa o mesmo choque que a foto provoca em quem a observa de fora. “A foto fala muito mais para fora do que para dentro”, afirma Geovan.

Visto de baixo, o edifício Penthouse se impõe, lançando sua sombra sobre a segunda maior favela de São Paulo, com 10 km². Moradores mais antigos reconhecem a imagem, popularizada pela abertura da novela “Vale Tudo”, mas no cotidiano, as disparidades parecem se diluir.

Em um salão de cabeleireiro próximo ao muro que separa os dois mundos, três amigas conversam. “Eu acho ele [o prédio] feio, ninguém cuida”, diz Liu, de 60 anos. Mercedes, de 45 anos, complementa: “O prédio não incomoda, quem ficou incomodado foi quem se mudou para não ter a vista da favela”. Ambas chegaram a Paraisópolis na década de 90, após a construção do edifício, erguido em 1979, um símbolo de riqueza com sua piscina por andar.

As amigas relatam que suas vidas melhoraram significativamente, com maior acesso a comida, lazer e tecnologia. “Não tem nem comparação, hoje tem muito mais estrutura. Mas ainda falta um hospital ou um ambulatório com especialidades”, diz Rosemeire, de 57 anos, nascida em Paraisópolis e filha de fundadores da comunidade.

Dados recentes do IBGE indicam que a renda média dos brasileiros aumentou, atingindo o maior valor da série histórica em 2024. O Brasil também registrou o menor nível de desigualdade de renda, com o Índice de Gini em 0,506. No entanto, um relatório do banco UBS aponta o Brasil como um dos países mais desiguais do mundo, com um Índice de Gini de 0,82.

Apesar da melhora na renda e da discussão sobre a desigualdade, os dois mundos continuam distantes. Moradores do Penthouse nunca frequentaram o salão de cabeleireiro das amigas ou o mercadinho local. Adélio, um barbeiro de 30 anos, acredita que o preconceito e o medo impedem a aproximação. “Tem muito empresário e muito preconceito. Eles têm medo de entrar aqui”, afirma. Geovan observa que a presença da Polícia Militar é mais frequente em Paraisópolis do que nos prédios do Morumbi. “A lei que eles aplicam aqui, não aplicam lá”, diz.

O zelador do prédio, morador de Paraisópolis, parece ser uma rara ponte entre os dois mundos. Ele relata que muitos moradores do Penthouse enfrentam dificuldades financeiras, com apartamentos sendo leiloados e até quatro unidades desocupadas.

Tuca Vieira, o fotógrafo por trás da imagem icônica, visitou Paraisópolis diversas vezes após a repercussão da foto. Ele lamenta a banalização do uso de drones na fotografia aérea, que, segundo ele, cria um distanciamento da realidade. “Eu acho que é importante ir. Eu acho interessante falar disso, dessa possibilidade de duas visões”, afirma Vieira.

Paraisópolis, uma comunidade centenária, abriga mais de 58,5 mil pessoas em 21,4 mil moradias, de acordo com o Censo IBGE 2022. Sua história remonta a 1921, quando a área fazia parte da Fazenda do Morumbi. A ocupação informal começou por volta de 1950, com famílias transformando a área em pequenas chácaras. A valorização da região, impulsionada pela construção de bairros de alto padrão e a abertura de vias de acesso, intensificou o processo de ocupação nas décadas seguintes.

Fonte: g1.globo.com

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