A nossa aceitação política e negação social são responsáveis pela fome nas favelas brasileiras
Estamos há mais de um ano enfrentando uma das maiores ameaças da humanidade: a pandemia do novo coronavírus. Uma doença que não faz distinção de idade, cor, raça, status social e região, ou seja, afeta a todos.
Contudo, desde os primeiros meses estamos assistindo, de forma intensificada, o agravamento que a pandemia tem causada em áreas que sempre foram vulneráveis no Brasil, as milhares de favelas espalhadas pelo País. Os impactos da covid-19 em um país historicamente desigual como o nosso são devastadores para quem vive com menos de um salário mínimo por mês, em habitação precária, sem acesso a saneamento básico, sem emprego formal, acesso regular ao serviço público de saúde e, além de tudo, expostos a todo tipo de violência.
Nos últimos dias, os jornais voltaram a noticiar a fome de quem por anos viveu às margens dos serviços públicos: “Cozinhas solidárias do MTST combatem a fome nas periferias em meio à pandemia (Rede Brasil Atual, 16 de março de 2021); “Oito em cada 10 famílias nas favelas dependem de doações “ (O Dia, 15 de março de 2021); “A periferia tem fome, e não só de comida’, diz líder de iniciativa cultural da maior favela de MG” (Folha de S. Paulo, 13 de março de 2021); “A fome voltou nas favelas brasileiras” (Revista Fórum, 15 de março de 2021).
As chamadas podem parecer impactantes, mas não são. Elas apenas reforçam a realidade constatada pelo Instituto Data Favela, em parceria com a Locomotiva – Pesquisa e Estratégia e a Central Única das Favelas (Cufa), a qual revela que 68% das pessoas que moram em favelas não tiveram dinheiro para comprar comida em ao menos um dia nas duas semanas anteriores ao levantamento, realizado entre 9 e 11 de fevereiro de 2021, com 2.087 pessoas maiores de 16 anos.
Além da falta de dinheiro para comprar itens básicos da cesta básica, o levantamento mostra que o número de refeições diárias dos moradores das favelas vem caindo: de uma média de 2,4, em agosto de 2020, para 1,9, em fevereiro de 2021. Situação que, segundo o presidente do Instituto Locomotiva e Fundador do Data Favela, Renato Meirelles, é a mais preocupante desde o início da pandemia. Seja no número de pessoas sem poupança, no número de pessoas com falta de dinheiro para comprar comida ou na redução do número de refeições diárias.
De acordo com o levantamento, 71% das famílias nas favelas brasileiras estão sobrevivendo, atualmente, com menos da metade da renda que obtinham antes da pandemia. A pesquisa mostra ainda que 93% dos moradores não têm nenhum dinheiro guardado.
Como se não pudesse ser mais difícil para quem vive nas favelas, muitos moradores têm que se expor ao risco sanitário diário para buscar o sustento, onde: 32% estão procurando seguir as medidas de prevenção contra a covid-19; 33% tentam seguir, mas nem sempre conseguem; 30% não conseguem seguir e 5% não estão tentando seguir.
As notícias e os dados do Instituto Data Favela mostram que, apesar do vírus não ser seletivo, os impactos gerados para quem vive nas favelas brasileiras é maior do que para quem vive em regiões de classe média e alta no Brasil.
Impactos que poderiam ser minimizados nesse um ano de combate ao vírus no país, caso a classe política brasileira compreendesse a emergência das pessoas que vivem nas favelas. Se entendessem que a fome não pode esperar a indecisão de um governo que, desde o início da pandemia, se posicionou contrário ao auxílio emergencial. Se ao menos tivessem focado em tirar do papel políticas públicas emergências de redução de impostos de produtos de consumo essencial como medicamentos, alimentos e itens de higiene e limpeza. Percebessem nesse momento de crise sanitária o quanto deixaram de fazer por quem vive de forma abastarda das políticas públicas. Ou que, no mínimo, reconhecessem que há décadas inverteram as prioridades nesse país, pois não existe Estado sem povo.
Os números da fome de quem vive nas favelas, em uma pandemia, é o retrato da negligência da classe política e da nossa, em negação em reconhecer a luta por direitos sociais dessas pessoas. Mudamos ou seguiremos deixando pratos vazios nos lares de 16 milhões de pessoas que vivem em favelas brasileiras.
Imagem: disponível no Google